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On-line presença do analista

ON-LINE PRESENÇA DO ANALISTA¹

Carolina Nassau*

Cristina Moura **

Graça Araújo Curi***

Regina Guerra****

 

Resumo

O presente texto foi produzido pelo Núcleo de Discussão Clínica do Aleph – Escola de Psicanálise e se propõe a discutir algumas premissas para o atendimento mediado por dispositivo tecnológico.

Palavras-chave: Analista. Atendimento. On-line. Limites. Possibilidade.

 

[…] uma psicanálise, padrão ou não é o tratamento que se espera de um psicanalista.
LACAN, [1955] 1988.

“Se a modernidade nos traz avanços tecnológicos, e eles são benéficos ao nosso exercer para que o outro não padeça em sofrimento, não recuemos dos avanços”.²

Não se trata, contudo, de uma adaptação ao setting analítico e muito menos de recuo da posição e da psicanálise. Mas fundamentalmente a sustentação do setting analítico na linha da presença do analista.

Falar de trabalho psicanalítico ou de atendimento de pacientes em análise mediado por Skype ou por qualquer outro tipo de dispositivo tecnológico pode parecer uma heresia para muitos analistas. É possível que se localizem na internet ofertas de atendimento psicanalítico on-line, em que se destacam as vantagens de baixo custo, maior flexibilidade de horários, resolução dos problemas de deslocamento, entre outros. Sabemos que, colocada assim e dessa maneira, essa proposta beira a obscenidade.

Esse núcleo de discussão se constituiu a partir da proposta de interrogar e analisar  a prática e o alcance do atendimento on-line, buscando diferenças e pontos-limite, sem a pretensão de impor regras. Considerou-se que rotular como impossível, a priori, essa prática, seria fazer uma generalização e se deixar guiar por um ‘pré-conceito’.

Uma análise presencial ou virtual toca limites que podem levar à interrupção. Nesse sentido, nenhuma das duas abordagens estaria livre de dificuldades. Não obstante, existem limites claros para quem se propõe a trabalhar com a possibilidade de operar com esse dispositivo: o atraso na voz, a ausência do corpo do analista, todo um limite para se operar com os revestimentos do objeto, tal qual o olhar, entre outros.

Entretanto, pensamos que seria importante estabelecer algumas premissas para que tal acolhimento seja possível. Alguns pontos foram postos em discussão para estabelecer a diferença e a especificidade de cada prática, além das dificuldades e questões que poderiam surgir.

Apurou-se, na discussão, que não seria viável iniciar uma análise, realizar as entrevistas preliminares via on-line. Para que a transferência se estabeleça e o trabalho de análise se inicie, pareceu-nos imprescindível estar em presença. Partindo desse ponto de vista, pensamos que o atendimento mediado por dispositivo tecnológico só pode acontecer condicionalmente, a partir de uma demanda pontual e bem sustentada pelo sujeito já em análise.

Isso quer dizer que não se trata de ofertar atendimento virtual para assim receber pacientes novos e transformar essa possibilidade num comércio, como se pode verificar com facilidade nos anúncios pela internet. Trata-se de escutar pontualmente essa demanda, já em análise, e apurar se existe ou não possibilidade.

Em algumas experiências, a possibilidade de, ao longo do tratamento, permear atendimentos on-line com presenciais parece fazer com que o próprio analisante avalie as diferenças. Sendo assim, apuramos que é importante manter os atendimentos presenciais sempre que for possível, ou seja, não é possível que análise aconteça toda on-line, mas não-toda on-line.

Uma analisante aponta que uma diferença é o fato de se dirigir ao consultório, chegar até lá, estar “separada do mundo” e dos afazeres e depois, o tempo de voltar, de refletir, possibilita um efeito de mergulho na experiência, que é incomparável.

O analisante gradativamente busca privacidade para o atendimento on-line. Alguns dizem, ”já estou aqui, vou me deitar no meu divã”, outros vão para um local reservado. Localiza-se assim, uma certa continuidade com a situação presencial em que, por estar no divã, resta a voz. Uma indicação que sustenta o atendimento sem o recurso da imagem.

Alguns pontos de impasse que exigem modulações nas intervenções parecem menos possíveis virtualmente. Há marcações que podem ser feitas na chegada ou na saída da análise, em que uma cena acompanhada de um dizer pode ter um efeito de corte.

Há passagens em que as repetições se acentuam presentificadas por insistentes actings e exigem que o analista acate o endereçamento e escute os pontos opacos que escaparam ao manejo. São pontos delicados que ameaçam a continuidade do trabalho da análise e que, na medida em que não há regras preestabelecidas, impõem que se encontre uma saída a cada vez.

São passagens que trazem à tona questões de extrema dificuldade no manejo da transferência. Uma estratégia pode ser sustentar aí o silêncio como ponto de falta, para que retorne ao analisante o excesso que jorra naquela narrativa.

A dificuldade da situação pode ficar aumentada no atendimento on-line. O silêncio pode

ser confundido com uma falha na ligação. Ao evitar parecer falha, o efeito de uma fala seguida da outra pode fazer parecer que está havendo um diálogo.

Outro ponto de dificuldade é que uma marcação em cima do que está sendo dito, que, por um cálculo, interrompa esse dito para que uma escuta se faça, algumas vezes não é viável. Falar ao mesmo tempo nesses veículos gera uma impossibilidade. E o resultado é que não se ouve nem se escuta. Às vezes, há ainda atrasos na transmissão da voz, provocando distorções nas possíveis intervenções.

Há uma importância em levantar e pontuar as diferenças, as dificuldades, as impressões e os efeitos colhidos na experiência, para que se possa ressaltar pontos em que uma prática pode lançar luz e retificar uma outra.

Não se pretende criar a ilusão de que o virtual possa vir a substituir o presencial. A proposta on-line não se sustenta como uma trivialidade sem consequência. Ela surge como uma contingência num momento em que a outra opção seria interromper um trabalho em andamento, uma transferência estabelecida, sem nenhuma outra possibilidade de relançamento.

É uma decisão tomada em análise e se refere à especificidade daquele momento, naquela análise. Uma aposta lançada que não se baseia numa oferta feita pelo lado do analista. A avaliação de alguns aspectos antecede a implicação e o compromisso com essa aposta em uma tentativa que, como em cada análise, pode se realizar ou não.

É importante ressaltar que operar num terreno novo e delicado faz avançar a análise para além das fronteiras geográficas, mas sustentada na linha transferencial, como há de ser a cada vez que o telefone toca em nossos consultórios.

 

NOTAS

¹ Esse artigo é fruto do trabalho de discussão e pesquisa do núcleo de discussão clínica do Aleph – Escola de Psicanálise durante todo o ano de 2014 e está publicado na Revista Transfinitos, 2015, n. 14, p.325-331

*Psicanalista. Membro do Aleph – Escola de Psicanálise, Belo Horizonte (MG). Email: <carolinanassau@yahoo.com.br>

**Psicanalista. Belo Horizonte (MG). Email: <mmartinsmoura@gmail.com>

***Psicanalista. Membro do Aleph – Escola de Psicanálise, Belo Horizonte (MG). Email: <curi.gra@gmail.com>

****Psicanalista. Belo Horizonte (MG). Email: <bueno.guerra@bol.com.br>

 

² Moura, 2013, p. 53.

 

REFERÊNCIA

MOURA,C. O que resta de Auschwitz? O que resta à psicanálise? Reverso, Belo Horizonte, n.66, p. 51-54, dez., 2013. Publicação do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais.

BIBLIOGRAFIA

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