XXVII Jornada Aleph – Escola de Psicanálise
Do semblant: escrita, práxis, escola
5 de novembro
O título da nossa XXVII Jornada traz uma série heterodoxa: que a escrita tenha a ver com o semblante é facilmente constatável, o seminário 18 nos encaminha para extrair a relação que há entre a letra e o inconsciente, bem como entre a letra e gozo. Quanto a relação do semblante com nossa práxis exige ser escrita: como o avanço da formalização sobre a letra, na psicanálise, modifica a clínica pautada em Freud e Lacan? Já relação disso com a escola é menos evidente, mas não menos importante, vale lembrar que a Escola de Lacan é para a psicanálise; a escola é o endereço da produção do psicanalista, a escola garante que um analista faz ali sua formação. Não há psicanalista sozinho, a elaboração, a formalização, de nosso campo se faz sempre com alguns outros. Algo opera na tensão entre o um a um e a passagem ao coletivo, isso não vai por si, a Escola é o lugar, exigente, desse dizer.
Nota de abertura para a Jornada de Cartéis
É com uma carta, resíduo da experiência de uma psicanálise com Freud, que daremos início a nossa pequena nota de abertura:
“Todos os dias, menos domingo, passo uma hora no divã do Prof. (já foram 34, no total) e a análise parece fornecer toda uma subcorrente para a vida. Quanto ao que está em causa, nunca tive tão pouca certeza. Em todo caso, às vezes, é extremamente excitante; às vezes, extremamente desprazeroso — então, me atrevo a dizer que há ALGO ali. O próprio Prof. é muitíssimo afável e deslumbrante, feito um intérprete artístico. Quase todas as horas são transformadas num todo estético orgânico. Às vezes, o efeito dramático é absolutamente devastador. Durante a primeira parte da hora, tudo é vago — uma pista obscura aqui, um mistério acolá. Então, isso vai ganhando espessura. Você sente coisas medonhas acontecendo por dentro e não consegue fazer ideia do que poderiam ser. Então, ele começa a dar uma ligeira indicação. De repente, você tem um claro vislumbre de uma coisa, daí vê outra e, por fim, toda uma série de lampejos te invade. Ele te faz mais uma pergunta. Você dá uma última resposta e, à medida que te ‘cai a ficha’ de toda a verdade, o Prof. se levanta, atravessa o cômodo em direção à campainha e te mostra a porta” 1 .
Dobradiça. O cartel, resíduo da Escola de Lacan, persiste nas escolas lacanianas de um modo geral e, em nossa Escola, de um modo particular, nos colocando a trabalho. A função do resíduo, exercida e mantida, aponta para a irredutibilidade de uma transmissão, implicando a relação com um desejo que não seja anônimo. 2 Assim, podemos pensar o cartel como um dispositivo escritural da Psicanálise, que comporta a marca da impossibilidade e uma aposta no desejo do analista.
Uma jornada de cartéis recolhe os escritos, que, como cartas, são endereçadas à Escola. O que é o trabalho da Escola? É aquele que, “no campo aberto por Freud, restaura a lâmina cortante de sua verdade – que traz a práxis original que ele instituiu, sob o nome de psicanálise” 3 .
Mônica Brandão
pela Comissão de Cartéis
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1 Carta de James Strachey para Lytton Strachey, seu irmão, em 6 de novembro de 1920. Citada por George Makari em “Revolution in Mind” (2008) [em tradução para a Ed. Perspectiva]. Paulo Sérgio de Souza Jr. Disponível em:
https://m.facebook.com/story.php story_fbid=pfbid0eZ6wJu7dUU1jLpTrZbD2JDfHZrPhtiF9W61iWzCyFwF7ow7Jot 4eAEZfPmz4BmrEl&id=651603118&eav=AfawC7OHfyfnjH0zO7QK4Dfn_AZRoaTyRG6hYTH6odzxE34 Lf0dAfKMILcA1oCJBvs&paipv=0.
2 LACAN, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 1998.
3 Ata de Fundação da Escola Freudiana de Paris. Documentos para uma Escola. Letra Freudiana, ano 0, n. 0.
Freud introduz o inconsciente. O que ele demonstra é sempre matéria de linguagem. Esse significante, veiculado pelo discurso, pode bem ser o único suporte, ele evoca, por sua natureza, um referente.
“O referente é sempre real porque é impossível de designar. Mediante o que só resta construí-lo. E nós o construímos, quando podemos.”
(LACAN, Sem. 18: “De um discurso…”, Lição de 10/02/71, p. 57, Ed. de Recife)
“Que tipo de material ele [o paciente] coloca à nossa disposição, para que possamos colocá-lo no caminho das lembranças perdidas? Coisas diversas, fragmentos dessas lembranças em seus sonhos, valiosíssimos em si, mas via de regra, gravemente deformados por todos os fatores participantes das formações dos sonhos […]”. (§2, parte I – FREUD, Construções em Análise. 1937. Vol. XXIII, Ed. Standard)
“[…] Qual é então sua [a do analista] tarefa? Sua tarefa é completar aquilo que foi esquecido a partir dos indícios que deixou atrás de si ou, mais corretamente, construí-lo. […]” (Ibidem, §3)