Fotografia: Marcos Amend
Pirrônico
Cheguei de pronto
Mas sem estar pronto
Portava um único e extremo recurso
O pranto
Regido e sobressaltado pelo fogo da vida
Chamuscando os meus pés
Colocando-me em desabalada carreira
Frente ao repetitivo tráfico da vida
Minhas mãos incandescentes
Tateiam inquietantes
Os vãos
as dobras
as bordas
Seguindo a crepitação dos pelos
Era uma esperança
Tentativa de provocar um curto circuito
Uma faísca
Uma tênue luz
No escuro do inominável
Um rubor flamejante arde em minhas faces
Expostas ao vento raivoso do desespero
Os olhos esbugalhados viam o rosto
Que se confundia com o mundo
No estratificado longínquo do horizonte
Onde a acuidade cerne o minúsculo do ponto
O ouvido povoado por estalidos disformes
É invadido pelo horripilante trovão
Solto no ar
a bramir: PIRRÔNICO!
Segue-se o silêncio
Pesado pela ausência de som
Foi ai que soube
Posso falar
Até mesmo com o silêncio
No entanto, não estou pronto
Tem o hoje
O amanhã
O depois do depois
O que pode ou não vir
Mas que virá
Não há luta sem trégua
A rendição
Chama a paga
O fogo da vida não se entrega
Insiste na refrega
Na nega equivoca
Lá onde o tempo do sem tempo
Se esconde
O sopro que
ALÉM de acender
A PAGA
Milton Ribeiro