Comunicados da Escola

Manifesto Aleph – Escola de Psicanálise

O pivô do trabalho analítico é a palavra. A palavra que faz laço social, ou seja: estamos no campo do sujeito e no campo do coletivo.

É de nossa responsabilidade estar implicados e nos manifestarmos criticamente diante do atual contexto social e político, onde vige a manipulação e a falsificação da verdade.

Além de estarmos diante de uma pandemia, de um vírus real que ameaça, causa sofrimento e morte, estamos diante de um retrocesso civilizatório cujas consequências são imprevisíveis, e quem sabe, irremediáveis…

Não nos cabe ser ingênuos quanto à engrenagem hierárquica e religiosa em jogo que agencia esses discursos e desmentidos do real. Tais discursos têm efeitos. Somos diariamente conduzidos ao desamparo em vários níveis: das condições sociais, às sanitárias e políticas.

Mas podemos fazer acontecer outro discurso, o do enunciado apontando para outro lugar, o da enunciação. Temos a responsabilidade de uma posição ética frente ao real.

Freud, no texto “O mal estar na Civilização” (1930), assinala que o sujeito civilizado abre mão de sua pretensa “total” felicidade por segurança. Também nos lembra que, apesar de a civilização ser responsável pelas agruras humanas, pela imposição de restrição às pulsões, aponta essa mesma civilização como condição de possibilidade da vida em comum…  “a palavra civilização descreve a soma integral das realizações e regulamentos que distinguem nossas vidas das de nossos antepassados animais, e que servem a dois instintos (Trieb), a saber: o de proteger os homens contra a natureza e o de ajustar seus relacionamentos mútuos.”

A civilização- (Kultur)– sustenta um modo de vida em comum, com regras e leis, para que os instintos (Trieb)– vida e morte- não sejam deixados à deriva, sujeitos a toda sorte de violência.

É a esse movimento pendular- vida e morte- que o sujeito se encontra submetido, em sua luta por enfrentar o “mal-estar”.

Hoje, os recursos civilizatórios parecem vencidos por ameaça e abandono. Estamos vivendo uma forma de barbárie causada por um vírus que trouxe à tona o “cada um por si”, a ausência de coletivismo; o desprezo pela vida, o incentivo à destruição e ao egoísmo.

O discurso governamental proclama a indiferença e a irresponsabilidade. Milhares de mortos, diariamente, recebem um sonoro “e daí”?

Esse “e daí” nos remete à frase paradigmática da perversão: “sei, mas mesmo assim…” É essa a postura diária diante de um país e suas instituições, fiel à sua necropolítica – sistema onde o “deixar morrer” se torna aceitável; e também onde a “licença para matar” é incentivada com a facilitação da aquisição de armas pela população.

A psicanálise lida com o sujeito e suas pulsões que, como Freud nos ensina, devem ser contornadas com os recursos simbólicos da civilização: que se aposte em Eros, em contraposição à pulsão de morte, para que se torne vencedor dessa luta infinita. Mas, como diz Freud, quem poderá prever o resultado?

Se não o podemos prever,  podemos sustentar nossa forma de resistência e luta, que é a aposta de “fazer escola”, no sentido que o termo “escola” nos coloca consonantes com Freud e Lacan:

“Deve ser tomado no sentido que, nos tempos antigos, queria dizer lugar de refúgio e até base de operação contra o que já podia chamar-se mal estar na civilização.” (Lacan, 1964:25). Aqui se localiza o pivô com o qual, pelo trabalho com a palavra, fazemos laço com a comunidade à qual pertencemos.

Pobre Pátria!

Tão sofrida, emudecida, que assiste atônita à denegação, à ironia e à banalização da tragédia, por meio de um discurso investido de autoridade.

Neste desamparo, a Escola é um lugar que acolhe e convoca ao trabalho com o texto, com a causa analítica, pequeno barco…no qual navegam também os poetas:

 

“Gosto de sentir minha língua

(…) A língua é minha pátria

Eu não tenho pátria, tenho mátria

E quero frátria

Poesia concreta, prosa caótica

Ótica futura.”         – (da canção “ Língua” de Caetano Veloso)

 

Belo Horizonte, abril, 2021.

Convidamos os colegas que quiserem se manifestar sobre esse tema a encaminharem seus escritos para a Comissão do site.

Comissão de Direção:

Silvia G. Myssior
Mônica Belisário
Jeanne D’ Arc Carvalho
João Carlos Martins